Correio  Braziliense
Por Jarbas Passarinho
Em ideologia, distingo os apóstatas, que se desencantaram com a crença que os empolgou, mas não se passam para o campo adverso, dos convertidos que trocam sua doutrina rejeitada por outra que se lhe opunha. De apostasia, cito François Furet, que abandonou a ideologia marxista, mas se negou a prefaciar O livro negro do comunismo. Intelectual prestigioso, em Passado de uma ilusão não lamentou descrever sua "cegueira, descrita sem indulgência, mas sem acrimônia". E aduz: "O universo comunista se desfez por si mesmo. De sua experiência não subsiste nem uma idéia".

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Dos convertidos, destaco dois mestres respeitáveis, Tristão de Ataíde, que trocou a direita pela esquerda, e seria dos mais diletos referenciais da esquerda brasileira. Vice-versa, Gustavo Corção. Descreveu a trajetória espiritual de sua conversão no seu belo livro A descoberta do outro, e passou a militante do anticomunismo. Dele recebi, com dedicatórias lisonjeiras, Lições de abismo e Démarxiser l´Université, de Jules Monnerot, uma denúncia da infiltração dos professores marxistas nos corpos docentes das universidades francesas.

Contra o testemunho isento e atual de Furet, insurge-se o cérebro naturalmente privilegiado do coronel Hugo Chávez, que se propõe a realizar a sua revolução bolivariana mesclada de marxismo imaginário. Amparado nos petrodólares, interveio nos países que lhe são praticamente satélites, nos Andes, cujas eleições patrocinou. Um pensador fez uma síntese que explica o anacronismo: "O comunismo foi varrido da Europa e revivido no terceiro mundo".

O viés caudilhesco ameaça a paz na América do Sul. Chávez, missionário do socialismo de século 21, adota a estratégia de cercar as tropas colombianas, que estão vencendo as Farc financiadas pelo narcotráfico que protege, pela fonte de vultosos resgates de seqüestros, e por Chávez, se correto o computador apresado do número 2 da hierarquia, Reyes, morto no bombardeio na fronteira equatoriana, onde operava há mais de seis meses sem ser incomodado pelo Equador, num acampamento de 120 mil m², provido de alimentos, remédios, TV de plasma, telefone e TV por satélite, cujos e-mails revelaram onde se encontrava de Reyes. Só os néscios e os parceiros ideológicos das Farc negam a associação de Chávez com a guerrilha comunista colombiana. O acampamento de Reyes torna retórica, se não mera impostura, a indignação de Correa quanto à invasão do território equatoriano. Caberia razão o protesto do Equador pela violação de sua fronteira, se nela não se abrigasse a base operacional das Farc, transformada em local sagrado, e inexplicável o contato sistemático com Reyes de que Correa encarregou um dos seus ministros. Reyes sentia-se tão à vontade, que ele e companheiros dormiam de pijama, na floresta. Jornalistas brasileiros atestaram que a guerrilha também atua, protegida por Chávez, na fronteira venezuelana com a Colômbia. Uma ação semelhante à do Equador poderia ser a detonação da guerra buscada por Chávez para desviar o foco das tensões internas da Venezuela, a braços com a inflação e problemas de falta de abastecimento.

É o cerco que seria possivelmente decisivo numa luta armada, em que a Colômbia teria de defender-se ao mesmo tempo, de dois países inimigos e mais duas guerrilhas bem armadas.

Uribe reconhece a invasão como direito de ingerência, mas - afirma - se tivesse consultado Correa antes, não teria êxito. A aliança das Farc com Chávez prova-a também sua despropositada reação em face da morte de Reyes, objeto de comemorações dignas de um herói venezuelano abatido em combate. À OEA caberá investigar, pela perícia do computador de Reyes, se Uribe se comporta como um senhor da guerra ou se seus opositores são impostores.

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