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Jan Palach, o jovem que doou sua vida em protesto contra a ocupação vermelha. Clique na foto e leita sua história |
O que traduziu a revolta para que “sua geração fosse, a todo custo, diferente da de seus pais” e agora se limita a dizer, laconicamente, “lutávamos por alguma coisa”? Sem lembrar mais o fascínio pela Revolução Cultural, de Mao, e a experiência de Cuba, e sem citar nenhum projeto dentre os existentes no rol das ideologias de então? Não seria o interesse do meu entrevistador explorar esse filão soberbo que por pouco não depôs De Gaulle? E que lições do que Raymond Aron, autor de sua crítica à revolução estudantil descrita e debatida que chamou de “La révolution introuvable”, desse margem a uma instrutiva matéria? Não, nem mesmo para obter material sobre o massacre dos estudantes mexicanos, em Tlateloco, que desencadearia mais tarde a morte do PRI, porque sua pauta era tratar do AI-5, dos dois livros de Zuenir Ventura e do artigo de José Dirceu, ambos sobre a herança de 1968.
Gente boa cultua, cada qual à sua maneira, as efemérides. Entre nós brasileiros, preferimos fazê-lo a cada múltiplo de cinco anos do AI-5. Dele não me arrependo, nem me vanglorio. Não me arrependo porque sem ele o Brasil, desde 1966 até hoje, estaria como a Colômbia, há 44 anos à busca de debelar as guerrilhas comunistas. Lowenstein ensinou o dilema de um país atacado por rebelião armada. Se responder fogo com fogo, perderá certas liberdades fundamentais, políticas e civis, até vencer, mas se as mantiver, seu destino será o suicídio.
No AI-5 vivemos 10 anos de autoritarismo para desbaratar as guerrilhas comunistas e redemocratizar o país. O efeito da luta armada — disse Prestes — foi prolongar, no tempo, o autoritarismo. Só lastimo não ter sido ele extinto ao fim do governo Emílio Médici, as guerrilhas urbanas definitivamente batidas, falta de apoio popular. Tínhamos alcançado os melhores índices da economia nacional, o governo era popular, e a rural, do PCdoB stalinista, bem mais fraca, podia ser desbaratada na democracia plena.
No prólogo de seu imortal D. Quixote, Cervantes apresentou-se aos leitores como padrasto e não pai, “ainda que pareça. Não deixar-me ir com a corrente do uso (...). Tens tua alma no teu corpo e a tua liberdade de julgar muito à larga e a teu gosto, por tudo quanto te lembrar sem teres medo de que te caluniem pelo mal, nem te premeiem, pelo bem que dela disseres”. Assim o faço.
O artigo de Dirceu é um conjunto de falsidades históricas e de sandices sobre o AI-5. Dizer que “68 foi a luta armada contra a ditadura e pela democracia” é falso e chega a ser hipocrisia. Todas as facções em luta insurrecional eram declaradamente comunistas: as que, ainda no breve governo Jânio Quadros foram treinar na China totalitária de Mao Tse Tung e todas as demais que, financiadas e adestradas em Cuba comunista, assassina desde os “paredons” ou tortura até a morte, na famosa prisão de La Cabana, os presos políticos. Impossível que não soubessem disso, revelado até por biógrafos simpáticos a Fidel Castro, adversários, mas intelectualmente honestos.
Daniel Aarão Reis, que foi exilado, revoltou-se com o cinismo. Indignado com a falácia, negou-a, dizendo que, marxista, lutou por uma ditadura do proletariado e não pela democracia burguesa. Jacob Gorender, no seu livro Combate nas trevas, é outro testemunho igual, marxista preso na luta armada e alegadamente torturado. De Zuenir não li os livros, mas o artigo publicado simpaticamente por Laura Capriglione. Discutível é dizer que “são tributários diretos de 68, o espírito libertário, a parada Gay, direito ao prazer e liberdade sexual, as principais heranças positivas”, mas aponta entre as heranças negativas “a violência edificante da luta armada com seu farto menu de ações, como seqüestros, assaltos a bancos e atentados. Não seria o caso de essas “conquistas” das minorias terem nascido da vitória contra os comunistas entre 1968 e 1974, e não da sua derrota?